Com o aumento da extrema pobreza, Brasil retrocede 10 anos em dois
No Sudeste e Sul, o quadro de extrema pobreza também é desalentador, com ampliação de 140% e 189%
No final de novembro do ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados do “Módulo Rendimento” de todas as fontes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) referente ao ano de 2016. A repercussão dos dados junto à opinião pública foi pontual, sem corresponder à gravidade do que eles revelaram: a persistência e o agravamento da desigualdade no Brasil. Em outras palavras, os números diagnosticaram a multiplicação da pobreza que vemos com tanta facilidade, tanto nas ruas dos grandes centros urbanos do país quanto nas pequenas comunidades rurais do seu interior. Vejamos: se for considerada a massa do rendimento mensal real domiciliar per capita1, de R$ 255,1 bilhões, em 2016, verifica-se que os 10% da população com maiores rendimentos concentraram 43,4% desse total, ao passo que os 10% com menores rendimentos ficaram somente com 0,8%. Em um país onde o rendimento médio mensal do trabalho, em 2016, foi de R$ 2.149,00, esse grau de desigualdade fica mais nítido se for observado que o 1% de maior rendimento do trabalho recebeu em média, mensalmente, R$ 27.085,00, o que corresponde a 36,3 vezes daquilo que recebeu a metade de menor renda e, pior ainda, 371 vezes daquilo que receberam os 5% de menor rendimento.
Também na divisão regional, os resultados atestam o desequilíbrio na repartição do total dos rendimentos, que somaram R$ 255 bilhões, mesmo considerando os diferentes pesos populacionais das regiões. Considerando-se todas as fontes de renda (trabalho e outras), o valor médio no Brasil é de R$ 2.053. Regionalmente, revela-se o desequilíbrio, com o Sudeste apresentando uma média de R$ 2.461; R$ 2.249 no Sul; R$ 2.292 no Centro-Oeste; R$ 1.468 no Norte e R$ 1.352 no Nordeste. Da renda domiciliar per capita, 25,2% são provenientes de fontes não relacionadas com o trabalho, sendo 18,7% delas relativas a aposentadoria e pensão; 2,2% a aluguel e arrendamento; 1,1% de doação e mesada de não morador e 3,2% de outras fontes. A pesquisa mostrou que 24% da população receberam rendimento de outra fonte. O Nordeste foi a região com menor diferença entre os dois índices, com 35,7% das pessoas recebendo rendimento de algum tipo de trabalho e 27,6% de outras fontes, o que denota menor percentual de pessoas trabalhando e, possivelmente, maior percentual daqueles que buscam o sustento por outras fontes, especialmente nos programas de transferência de renda.
A PNAD Contínua foi lançada pela primeira vez em 2012. Diferente da antiga PNAD, ela permite acompanhar as variações de curto prazo do emprego da força de trabalho, da renda e de outras variáveis essenciais para a compreensão do desenvolvimento socioeconômico do país. Além do “Módulo Rendimento”, o IBGE também divulga, anualmente, os módulos referentes a habitação, migração, fecundidade, características dos moradores, trabalho infantil, outras formas de trabalho, educação e acesso a internet, TV e celular. Os dados fornecidos pelo módulo divulgado em novembro contribuem também para atualizar a verificação da situação das pessoas em condição de pobreza e extrema pobreza. A metodologia adotada classifica como extrema pobreza a situação daqueles que viviam com R$ 70,00 em junho de 2011, equivalente a US$ 1,25 (com paridade de poder de compra com os Estados Unidos) – mesmo parâmetro adotado pelo “Plano Brasil Sem Miséria”. Esse também era o parâmetro adotado pelo Banco Mundial para a linha internacional de extrema pobreza e correspondia a valores próximos da linha de indigência para o Nordeste Rural, apresentados por Sônia Rocha (1998) na publicação Desigualdade Regional e Pobreza no Brasil: a Evolução – 1981/95. Ainda que seja necessário algum esforço metodológico para compatibilizar metodologias diferentes aplicadas na antiga PNAD e na PNAD Contínua, os resultados recentes sobre a pobreza e extrema pobreza apontam na direção esperada. Reconhecemos que a pobreza e a extrema pobreza não são determinadas apenas pela renda que cada indivíduo dispõe para fazer frente ao atendimento de suas necessidades básicas, mas acreditamos que essas séries possibilitam uma identificação bastante real desse público. Observa-se que, em 22 anos, o Brasil viveu dois períodos em que a pobreza e a extrema pobreza passaram por reduções mais significativas.
O primeiro, em 1995, o que pode ser atribuído ao efeito da estabilização da moeda, mas cuja inflexão se restringiu a um único ano, já sendo registrada nos anos seguintes novamente uma tendência ascendente do número de pessoas naquela condição. Situação bem diferente é a que se identifica entre 2003 e 2014, nos dois mandatos do ex-presidente Lula e no primeiro mandato da presidenta Dilma. Nesse período, os números revelam que ocorreu uma contínua redução das duas variáveis, mesmo após a crise econômica internacional de 2008. Diferente também pela continuidade da queda, alcançando os bolsões mais distantes do Brasil profundo. A virtuosa combinação de uma política de desenvolvimento com inclusão por meio de programas e ações especificamente voltados para grupos sociais mais vulneráveis explica essa trajetória histórica de redução da pobreza e da extrema pobreza.