As armadilhas da PEC da Previdência Social e a correlação de forças no Brasil

O governo Bolsonaro está tentando esvaziar o sistema de previdência pública, como já havia tentado Temer, com a PEC 287/2017. A PEC 06/2019, de Bolsonaro, tem como um dos principais objetivos dificultar o acesso aos benefícios pagos pela previdência, aumentando significativamente o tempo de contribuição e a idade para se aposentar. Se aprovada reduzirá, em geral, os valores dos benefícios pagos aos trabalhadores, prejudicando especialmente os que menos recebem. O que a PEC pretende fazer aos idosos pobres, através da redução drástica do valor do Benefício de Prestação Continuada, e do aumento das dificuldades em obter o benefício, é simplesmente um crime de lesa humanidade.  

     A PEC de Bolsonaro traz várias armadilhas. Foi incluído no texto, por exemplo, um mecanismo que muda a idade mínima, o cálculo do benefício e o tempo de contribuição através de Lei Complementar, dispensando a alteração via emenda constitucional. Se a PEC for aprovada como está, várias mudanças futuras importantes seriam mais fáceis de serem aprovadas, sem necessitar mudança constitucional, ou seja, sem que o governo precise de 2/3 dos votos do Congresso, aprovando as medidas por maioria simples. A idade mínima para a aposentadoria, pela PEC, também será alterada a partir de simples Lei Complementar: a partir de 2024, a idade mínima será ajustada a cada quatro anos em até 75% do total do aumento da expectativa de sobrevida (por exemplo, se a taxa de sobrevida se elevar em dois anos, a idade mínima aumentará um ano e seis meses). A PEC altera também a previsão que está na Constituição Federal (parágrafo 4o do artigo 201) de reajuste dos benefícios para manter o seu valor real. O referido parágrafo, na PEC, passa a tratar de aumento da idade mínima.
      
     Na campanha pela aprovação da proposta, na qual irão gastar muito dinheiro público, virá toda uma propaganda visando a desconstrução da previdência social, a qual já vimos quando o governo Temer tentou aprovar a PEC 287/17. A campanha visa inviabilizar o sistema público de previdência. Se divulga permanentemente, em todos os meios de comunicação possíveis, que o sistema está “quebrado”, que não resistirá ao envelhecimento da população, que paga pouco, que está tomado pela corrupção, e assim por diante. Ao mesmo tempo procuram, com a PEC, dificultar ao extremo o acesso e
 
diminuir significativamente os valores da aposentadoria, provocando nos jovens um desinteresse crescente em ingressar no sistema. Esta tendência, que não é recente, será intensificada, visando levar o Sistema de Repartição, vigente hoje, à míngua, dando lugar para a capitalização (sonho dos banqueiros).  

     Se de fato houvesse boas intenções por parte do governo na questão previdenciária, haveria muito o que fazer no aspecto de gestão, antes de se pensar em qualquer “reforma” mais ampla e destrutiva. Uma série de ações e metas teriam que ser perseguidas: a) melhorar o alcance da Seguridade Social, incluindo toda a população brasileira no guarda-chuvas da previdência e da assistência; b) combater a sonegação. Como mostrou a CPI da previdência feita no Senado Federal no ano passado, todo ano são descontados dos trabalhadores mais de R$ 30 bilhões e que não são repassados à Previdência; c) cobrar as dívidas bilionárias de ricos devedores da Seguridade Social (grandes empresas capitalistas acumulam um débito de cerca R$ 450 bilhões com o sistema); d) acabar com os privilégios tributários representadas por desonerações injustificáveis, isenções e anistias (apenas em 2017 o perdão chegou à casa dos R$ 100 bilhões); e) extinguir a DRU (Desvinculação das Receitas da União) que leva até 30% dos recursos da Seguridade Social para pagar juros da dívida pública, entre outras medidas.  

     O discurso de austeridade fiscal de Paulo Guedes e sua equipe é uma farsa para justificar o aumento do nível de exploração dos trabalhadores e a entrega da previdência para a gestão dos bancos. Mas é difícil supor que colocarão em prática um programa antipopular dessa envergadura, sem reação da maioria da população, diretamente prejudicada por essas políticas, como estamos assistindo neste momento. Não por acaso, no dia 1º de março, aproveitando-se do recesso das festas de Carnaval, o governo publicou uma medida provisória, a MP 873, visando estrangular financeiramente, em definitivo, as entidades sindicais. Entre outros aspectos, a MP estabelece que a contribuição sindical está condicionada à autorização “prévia e voluntária do empregado”, e precisa ser “individual, expressa e por escrito”. Pela MP é nula qualquer contribuição, mesmo acertada em negociação coletiva ou aprovada em assembleia de trabalhadores. Além disso, ela define que todo o desconto em favor da entidade sindical seja feito via boleto, em vez de desconto em folha. O conteúdo da MP não pode deixar

dúvidas que a intenção é matar financeiramente as entidades sindicais de trabalhadores, que têm sido, com todas as insuficiências, um bastião de resistência ao golpe.  
     O atual Sistema de Seguridade brasileiro, no qual se inclui a previdência, foi obtido numa outra correlação de forças, muito específica, existente na década de 1980. Sistema, inclusive, que foi regulamentado a duríssimas penas, após ser aprovada pela Assembleia Constituinte. O capital, especialmente o capital financeiro, jamais aceitaria um sistema como esse, se não estivesse temendo a mobilização e a disposição de luta dos trabalhadores naquele período. Neste momento, em que a relação de forças está mais favorável a eles, e a crise capitalista mundial é muito grande, estão tentando desmontar a Seguridade Social, visando reduzir o custo da força de trabalho no Brasil (juntamente com outras inúmeras medidas). Essas políticas de desmonte dos direitos dos trabalhadores, têm um caráter continental, por isso é fundamental acompanhar e entender o que se passa em toda a América Latina. O processo de ataque que sofrem os trabalhadores brasileiros, de uma forma ou de outra, está sendo implementado em todo o subcontinente.  
     
     *José Álvaro de Lima Cardoso / Economista

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