Crise econômica vira estímulo para mudança de carreira após desemprego

Juarez Aparecido Sizenando era metalúrgico e virou cabeleireiro. Camila Nacaratto trabalhava no setor administrativo em obras de construção e hoje cozinha para fora. Kuki Bailly trocou o mundo corporativo pela missão de liderar uma rede de trabalho colaborativo.

Juarez Aparecido Sizenando era metalúrgico e virou cabeleireiro

O ponto em comum na história dessas três pessoas é que a guinada na carreira veio junto com a crise econômica, logo depois de ficarem desempregados.

“O momento da crise é ótimo para as pessoas se reinventarem”, afirma a consultora Maria Candida Baumer de Azevedo.

Paranaense, Sizenando, 40, era casado com uma cabelereira. Foi durante esterelacionamento que começou a pensar em mudar de profissão: cogitava fazer cursos em um salão de beleza de Curitiba para que os dois pudessem trabalhar juntos. Mas, como estava satisfeito e em situação estável no emprego de metalúrgico, deixou os planos de lado.

Em 2015, a crise econômica atingiu em cheio as montadoras de carros. A metalúrgica em que ele trabalhava, que fornecia peças automotivas para fabricantes de veículos, diminuiu a produção.

No fim do ano, vieram os cortes de pessoal e o paranaense acabou demitido. No dia seguinte, não hesitou: fez a inscrição no curso de cabeleireiro.

Quatro meses depois, o ex-metalúrgico já tinha um emprego na nova profissão: foi convidado a dar aulas para os alunos do próprio centro de formação de cabeleireiros. “Não sabia que eu ia gostar tanto de entrar nessa área”, afirma.

Apesar de o casamento ter acabado, ele se diz feliz com a nova carreira. Não tem mais os benefícios de um trabalho com carteira assinada, mas afirma que trabalhar em um ambiente com menos estresse, ter mais tempo para a família e viver uma vida mais saudável compensam a troca.

“É qualidade de vida”, diz. “Não adianta ficar empregado só porque tem a segurança de ter o salário todo o mês ali, mas estar insatisfeito no trabalho.”

“Hoje é mais complicado, mas compensa”

Formada em gestão de recursos humanos, Nacaratto, 36, chegou a trabalhar por sete anos na Petrobras, como funcionária terceirizada.

Camila Nacaratto trabalhava no setor administrativo em obras de construção e hoje cozinha para fora

Em 2013, deixou a empresa, mas, nos empregos seguintes, continuou trabalhando no setor administrativo de empresas com obras de construção civil. Até que, em meados do ano passado, ficou desempregada.

“Foi a crise econômica que me levou para a cozinha”, diz. “Quando eu ia procurar emprego, os salários eram para ganhar menos da metade do que eu ganhava antes. Eu olhava para o que o mercado oferecia e falava: ‘Não dá’.”

Incentivada pelo marido e agora sócio, começou a vender refeições congeladas em março deste ano. Além de oferecer pratos tradicionais, a dupla oferece um ‘cardápio fit’ para os adeptos de uma alimentação mais saudável. A divulgação é feita por redes sociais e por indicações de clientes. 

Hoje, ela calcula que já consegue ter quase a mesma renda de quando trabalhava em um escritório. “Antes, eu tinha plano de saúde, vale-alimentação, tinha tudo. Agora, é mais complicado, a gente não tem esses benefícios. Mas o que compensa é que o que a gente ganha é administrado por nós.”

“Durante muitos anos, eu me perguntava: ‘Será que é isso que eu quero para a minha vida?’. Eu nunca trabalhei feliz. Tinha salário, segurança, mas não tinha felicidade e realização pessoal”, acrescenta. “O que me deu isso foi a comida, a satisfação de fazer hoje algo de que eu realmente gosto.”

A consultora de carreiras Maria Candida Baumer de Azevedo observa que, para quem tem planos de dar uma guinada na vida profissional, é fundamental conhecer as próprias habilidades e identificar de maneira adequada o tipo de trabalho que tem a ver com o seu perfil.

“Uma coisa é o que eu acho que sou bom, outra é aquilo que eu tenho certeza de que faço bem. Uma coisa é o que eu acho que eu quero, outra é o que eu tenho certeza”, diz a consultora. “Ainda existe uma visão muito romântica do que é empreender. Você vai ganhar dinheiro se você trabalhar muito e só depois que você pagar todas as contas. O empreendedor tem que ter essa consciência.”

“Não precisa esperar que uma corporação te dê emprego”

No recente cenário de crise econômica, as redes sociais têm sido uma importante ferramenta para quem busca alternativas de trabalho ou divulgação de um novo negócio.

Um exemplo disso é o ‘dots’, um grupo fechado no Facebook em que seus mais de 160 mil membros oferecem serviços e produtos artesanais uns aos outros. Para ter acesso a essa rede de artesãos e microempreendedores, é preciso ser convidado por um dos membros do grupo.

Kuki Bailly trocou o mundo corporativo pela missão de liderar uma rede de trabalho colaborativo

Quem criou a rede foi a designer Kuki Bailly, 49. E a ideia surgiu exatamente no furacão da crise, em 2015, quando ela perdeu o emprego que tinha no departamento de inovação da Natura.

“Sempre ajudei as pessoas a se recolocarem, a encontrarem trabalho, a se conhecerem. Sempre fui alguém que conecta pessoas”, diz Bailly. “Conversei com alguns amigos e falei: se todo mundo abrir as suas agendas, não vai faltar trabalho para ninguém, porque todo mundo tem uma rede que, se for ativada do jeito certo, pode ajudar muita gente, porque ela se multiplica, fica infinita.”

Além de administrar o grupo, Bailly se dedica hoje à criação de uma plataforma digital para a Rede Dots fora do Facebook. A ideia é criar um espaço virtual, aberto para todo o público, em que os artesãos e pequenos empresários da comunidade poderão oferecer seus serviços para um público ainda maior.

“A gente não precisa esperar que uma corporação te dê emprego. Você mesmo gera trabalho”, afirma a designer. “A filosofia do ‘dots’ é bem essa: quando a gente compra de um microempreendedor ou de um artesão, a gente não está ajudando o CEO de uma empresa a comprar a sua segunda casa na praia. A gente está colocando comida na mesa de uma mãe.”

Para a consultora de carreiras Maria Candida Baumer de Azevedo, a aposta no empreendedorismo e na prestação de serviços é uma tendência que tem ganhado força não só por conta da crise, mas também por mudanças no mercado de trabalho, que prega cada vez mais a necessidade de uma maior flexibilidade das empresas e dos profissionais.

“Hoje, 30% dos brasileiros com pós-graduação têm mais de uma carreira, tipo alguém que é medico em um hospital e professor em uma faculdade”, afirma.

“Você tem uma tendência que não tem a ver só com a crise, mas com a evolução da sociedade e com o mundo multiconectado”, acrescenta a consultora.

“Com essa lógica mais flexível, você passa a ser um profissional que tem que formar a sua renda trabalhando em vários lugares ao mesmo tempo, porque você é variável em todos eles. Isso não é momentâneo, vem para ficar. Tem a ver com a nova lógica do trabalho.”

Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/12/18/crise-economica-vira-estimulo-para-mudanca-de-carreira-apos-desemprego.htm