Para juízes, nova lei trabalhista tem de ser subordinada à Constituição
Tentativas de obrigar magistrados a interpretar a lei de forma apenas literal são “autoritárias”, aponta resolução de congresso da categoria. Para eles, texto só é válido a partir de 11 de novembro
A Lei 13.467, de “reforma” da legislação trabalhista, deve ser aplicada de acordo com a Constituição, respeitando também convenções e tratados internacionais, ressaltaram magistrados do Trabalho no encerramento do 19º Congresso da Anamatra, a associação nacional da categoria, sábado (5), em Belo Horizonte. Essa foi uma das resoluções aprovadas no encontro, em que os juízes decidiram ainda que qualquer norma de acordo coletivo que vise a afastar a Justiça do Trabalho será inconstitucional. Eles reafirmaram que nenhum juiz ser “tolhido” de suas convicções.
Em uma das 103 resoluções aprovadas, de um total de 111, os magistrados afirmam ainda que qualquer “ação política, midiática ou administrativa” que tente obrigar o juiz a interpretar a nova lei de forma “exclusivamente literal” é “autoritária, antirrepublicana e acintosa, agredindo a independência harmônica” entre os poderes da República. Ainda no entendimento do congresso, a nova lei só pode ser aplicada a partir de 11 de novembro, quando entrou em vigor. O governo defende que os contratos anteriores também se submetam à lei.
No documento aprovado no encerramento do congresso, os magistrados afirmam que “a independência técnica do Juiz é garantia de cidadania e do Estado democrático de Direito, não podendo ser utilizada para barganhar a existência, a subsistência ou a persistência da Justiça do Trabalho”. E alertam que a reforma “trouxe visível precarização das relações de trabalho, conforme índices oficiais já divulgados, referentes ao aumento de desemprego e da informalidade”.
Em uma das palavras, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Mauricio Godinho Delgado afirmar o “pior caminho” seria não aplicar a Constituição e as convenções e declarações internacionais de direitos humanos. “Não podemos ter vergonha de atuar com o Direito. Se ele for um instrumento de segregação, exclusão, discriminação, de separação das pessoas e de abandono de toda a matriz civilizatória constitucional, talvez não seja esse o Direto que nos fez escolher o próprio curso de Direito, nos tornarmos juízes e desempenharmos o papel fundamental que a Justiça do Trabalho exerce no país”, declarou.
Ele afirmou que a Constituição de 1988 tem como base paradigmas de Cartas europeias elaboradas após a Primeira Guerra Mundial, com princípios humanistas, em contraposição à Constituição norte-americana, liberal. “A Constituição brasileira está focada no bem-estar social.”
Para o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, a crise política que dividiu o país nos últimos anos atingiu também a magistratura. “E, no nosso meio, tornou-se cada vez mais recorrente o mais falacioso dentre todos os nossos derradeiros maniqueísmos: aquele que contrapõe ‘pautas sociais’ e ‘pautas corporativas'”, afirmou na abertura do congresso, dando a própria “reforma” trabalhista como exemplo para contestar críticas feitas ao juízes pela defesa dessa “pauta social”.
“Ao mesmo tempo em que segmentos da imprensa divulgam, em tom festivo, a vertiginosa queda do número de reclamações trabalhistas – cerca de 45% de queda, na comparação entre o primeiro trimestre de 2018 e o primeiro trimestre de 2017 –, anunciam-se também o aumento da concentração de renda, do desemprego e da informalidade, com abertura de vagas de trabalho apenas para salários de até dois salários mínimos”, lembrou Feliciano, reagindo àqueles que defendem a diminuição ou até mesmo a extinção da Justiça do Trabalho, ao afirmar que se trata do ramo “mais célere” do país, conforme relatório anual do Poder Judiciário, além ser o mais “capilarizado”, com presença em 624 (11,2%) municípios.