Home office aumenta jornada e trabalhador sofre mais com doenças mentais

Ansiedade, stress, depressão e Síndrome de Burnout são as doenças mais comuns entre trabalhadores que ficam mais tempo em frente ao computador ou celular, digitando, em reuniões on-line ou respondendo WhatsApp

 

Os trabalhadores e as trabalhadoras do Brasil, que perderam vários direitos desde o golpe de 2016, estão sofrendo também com o aumento de jornadas em casa, também chamadas de home office ou teletrabalho, modalidade que cresceu com a pandemia, e passam cada vez mais tempo em frente ao computador ou celular, digitando, em reuniões on-line ou respondendo mensagens de WhatsApp, o que aumenta o risco de adoecimento mental.

Nas negociações coletivas, dirigentes sindicais brigam pela regulamentação do teletrabalho, com pautas que vão desde o pagamento dos custos e equipamentos a questões como controle da jornada. O trabalhador precisa de um tempo para se desconectar do local do trabalho, fechar o computador no fim do dia como se estivesse voltando para casa, defende a pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit/Unicamp), Marilane Teixeira.  

A desconexão e o estabelecimento de uma rotina de trabalho sem autoexploração evitam o adoecimento, afirma o psicólogo com especialização em psicologia clínica, hospitalar e de organizações, pós-graduado em Administração de Empresas na área da psicologia, Hernan Vilar.

 

Longas e perigosas jornadas

Um estudo elaborado pela Fhinck, plataforma que desenvolve estratégias de gestão em recursos humanos, divulgado pelo Valor Econômico, mostrou que entre junho de 2020 e maio de 2022, o tempo que o trabalhador ficou em atividades digitais cresceu 85%.

Além disso, a jornada de trabalho aumentou em 6,7% ultrapassando 60 horas semanais e tanto a quantidade de reuniões como a comunicação eletrônica, por meio de WhatsApp, por exemplo, aumentaram em 20%.

O estudo mostra ainda que em se tratando de reuniões on-line, o aumento foi bem maior. Esse tipo de ‘encontro’ cresceu 78,4% em relação ao período antes da pandemia.

 

Adoecimento mental

O resultado prático na vida do trabalhador que exerce suas funções em home-office é fatídico. Um outro estudo, realizado pela rede social LinkedIn em novembro de 2021, apontou que durante a pandemia, 62% das pessoas estavam mais ansiosas e estressadas com o trabalho do que antes, no trabalho presencial.

Ansiedade e stress, assim como depressão e a Síndrome de Burnout são as doenças mais comuns entres os trabalhadores vítimas das longas jornadas, excesso de cobranças de metas e produtividade. A Burnout foi, inclusive, considerada doença ocupacional pela nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro deste ano. Os sintomas da doença, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional são  stress e exaustão extrema – mental e física – e são causados por condições desgastantes de trabalho.

A Síndrome de Burnout tem origem após um período de exposição ao excesso de responsabilidade, pressão, cobranças e competitividade. Veja mais informações sobre a doença a seguir.

 

É preciso regular o teletrabalho

A regulamentação do teletrabalho ainda caminha a passos lentos. Nas negociações coletivas, poucas categorias estão conseguindo avançar nas cláusulas permanentes para a modalidade. Os bancários, por exemplo, no início da pandemia, conquistaram alguns benefícios como ajuda de custo e equipamentos para o trabalho. No entanto, o tema é pauta da campanha salarial da categoria e pontos como o controle da jornada ainda estão ‘em aberto’ por parte dos bancos.

Por outro lado, a Medida Provisória (MP) nº 1108, aprovada no início de agosto, trata, entre outros temas, do teletrabalho ao permitir que empregadores sejam dispensados de controlar o número de horas trabalhadas por empregados contratados por produção ou tarefa.

“Foi mais um golpe contra os trabalhadores”, diz Marilane Teixeira. Ela explica que, com essa alteração, acentua-se ainda o descontrole da jornada e, portanto, aumentam os processos de exaustão dos trabalhadores.

“Se já havia um diagnóstico de excesso de trabalho de reuniões, de descontrole de jornada, isso vai aumentar ainda mais porque o contrato por produção pode ser tornar uma característica para todo trabalho nessa modalidade. O trabalhador vai ter que entregar a tarefa em um determinado tempo e vai ter que se virar para isso. Não haverá um controle de jornada”, diz a pesquisadora do Cesit/Unicamp.

 

Isso impõe sobrecarga emocional maior e a sensação de que tem que estar o tempo todo a disposição. O resultado é o adoecimento, porque o trabalhador não terá mais o tempo de se desconectar do local do trabalho e ele precisa disso – fechar o computador no fim do dia como se estivesse voltando para casa

– Marilane Teixeira

Mas, para além dos fatores impostos pelas empresas, que rezam pela cartilha da produtividade, de controle do trabalhador e exploração ‘ao máximo’, dada segundo Marilane, entre outros pontos pela ideia dos empregadores de que o trabalhador tem mais tempo por não pegar o transporte público para trabalhar ou não por estar em casa, não precisar fazer pausa para o almoço, enfim, acreditar que ele ‘tem mais tempo, há aspectos que têm origem na conduta do próprio trabalhador e que, em muito contribuem para o adoecimento mental.

Para o psicólogo Hernan Vilar, às relações de trabalho, que antes eram caracterizadas predominantemente pela exploração e opressão ao trabalhador, somam-se hoje a autoexploração e a auto-opressão.

“Hoje ele mesmo se explora, se oprime em função do desejo de querer ter sucesso, melhorar na vida. E esse é um efeito do sistema capitalista quem vem construindo cada vez mais essa cultura”, diz Hernan.

A relação que estabelece entre o teletrabalho a exploração é uma sensação de falsa liberdade, ou seja, o trabalhador tem a ideia de que trabalhar em casa é estar livre, mas, na prática, é o contrário.

“O exercício da liberdade hoje é grande a ponto de nos aprisionarmos para sermos livres”, ele diz em relação à autocobrança que grande parte dos trabalhadores faz em relação ao seu trabalho em casa – a sensação de ter que estar disponível a todo instante, produzindo, mostrando serviço, muito pelo medo de perder o emprego, ele explica.

“Um paradoxo – é a situação de quando eu consigo utilizar da minha liberdade para me aprisionar nessa relação de trabalho”, explica Hernan.

Para além da deturpação das relações de trabalho, o psicólogo diz ainda que, com a pandemia, a realidade, a rotina, as relações, tudo mudou e isso influenciou no estado psicológico das pessoas.

“De repente tudo sumiu e a pessoa podia acordar mais tarde, pedir comida para ter que fazer já que antes comia em um restaurante… Todas as rotinas mudaram como passar a trabalhar no quarto, comer no quarto, não fazer mais atividades, encontrar as pessoas. Tudo isso fez com que as pessoas sofressem adoecimento”, ele explica.

Para evitar o adoecimento, ele prossegue, é necessário o trabalhador impor a si mesmo uma rotina de trabalho e, principalmente, de desconexão. “Se não for pela disciplina, não há como exercer a plena liberdade da vida. Tem que estabelecer horários, saber os limites”, ele diz.

 

Burnout

De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de seis meses nessas condições já tornam o trabalhador suscetível à doença. Além do cansaço físico e mental, também são sinais dores de cabeça frequentes, alteração de apetite, insônia, falta de concentração, sentimentos de fracasso, insegurança, incompetência e desesperança, além de alterações de humor, pressão alta e dores musculares.

Dores de barriga, tonturas e depressão também fazem parte do rol de sintomas. E sobre a depressão, alertam especialistas, o quadro pode evoluir para a temida depressão profunda. Por isso é essencial ficar atento aos sinais e buscar ajuda profissional de psicologia ou psiquiatria.

No Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) oferece, de forma integral e gratuita, todo tratamento, desde o diagnóstico até o tratamento medicamentoso.

Para evitar a Burnout, além de buscar tornar saudável o ambiente de trabalho negociando condições com orientação da representação sindical, atos simples no dia a dia podem ajudar a minimizar os riscos, como atividades físicas, socializar com amigos e família, fugir da rotina do dia a dia, evitar drogas, até mesmo tabaco e álcool e, principalmente, descansar de forma adequada. Ao menos oito horas diárias são necessárias para recuperar energias físicas e mentais.

 

Fonte: Cut Brasil | Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Categoria(s) Direitos do Trabalhador, Notícias